segunda-feira, 2 de agosto de 2010

in the house

In the House – nos 200 anos do nascimento de Charles Darwin, e 150 da publicação da Origem das Espécies

Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, Monte da Caparica

Março/Abril 2009

instalação colectiva com/ group installation with: Ana Matilde Sousa, Ângela Pereira, Catarina Fragoso, Miguel Pacheco.





















A propósito da celebração dos 200 anos do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos da publicação de A Origem das Espécies, foi-nos proposto que criássemos uma instalação que recriasse o estúdio do naturalista inglês na sua moradia de Kent, a Down House, num espaço na biblioteca da FCT/UNL (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa). Mais do que reproduzir, de forma mais ou menos fiel, o espaço original, optámos desde o início por uma estratégia que privilegiasse a evocação e reinterpretação do modelo, fazendo assentar o projecto em dois eixos fundamentais: primeiro, a instalação no espaço de objets trouvés (tralha,
objectos adquiridos na Feira da Ladra, peças decorativas variadas), alguns modificados para servir o propósito; segundo, as intervenções individuais de cada um de nós, concebidas especificamente para a ocasião. Deste modo, procurámos fomentar o diálogo entre as obras e os objectos não artísticos, as dinâmicas criadas entre os nossos trabalhos e a interacção do todo com o espaço da biblioteca, onde está inserido.
Se, à primeira vista, In The House evoca o universo encantatório do período victoriano – o seu excesso decorativo, o charme da colecção interminável, o fascínio insólito do gabinete de curiosidades –, seduzindo o visitante com promessas de um mundo maravilhoso e fantástico (como pano de fundo, lêem-se os diários da aventura de Darwin a bordo do Beagle), um segundo olhar desconstroi facilmente este apelo superficial: na realidade, a construção é precária, o coleccionismo resume-se a uma idiossincrasia e aquilo que se promete não se cumpre, deixando múltiplos problemas e paradoxos expostos e sem solução à vista. Do mobiliário ao papel de parede, dos bibelots aos instrumentos científicos, os objectos operam assumidamente no território do faux e do pastiche, substituindo-se o racional pelo sentimental e a densidade intelectual do lugar de trabalho científico pela frivolidade do kitsch, num cruzamento lúdico com referências do universo pop contemporâneo, materializadas como visual gags ou private jokes. Expurgado o objectivo didáctico da recriação histórica, o “gabinete” entra, inevitavelmente, em conflito com o meio envolvente – a biblioteca de uma faculdade, espaço por excelência de estudo e acesso ao conhecimento, cuja arquitectura é marcada pelo minimalismo e racionalidade da construção –, surgindo como um microcosmo absurdo e desajustado ao contexto local, um centro de desinformação onde, no limite, tudo vale.
In The House é, portanto, um quid pro quo: no fim, o que resta de Darwin e do impacto civilizacional gigantesco da sua obra, seminal no contexto do pensamento cientifico moderno, é uma imagem infinitamente distorcida pelo filtro individual que, incapaz de captar a profundidade do assunto em mãos, se apraz no dandismo da satisfação imediata. Qual entertainer empenhado em proporcionar um bom espectáculo (como o título da instalação reflecte), apela jovialmente à euforia das formas, ao trocadilho espirituoso e à nostalgia, muito classe-média, de um mundo anterior à queda da aura (Walter Benjamin).
Apesar de tudo (ou talvez por tudo isto), esperamos que se teça, sob o véu da ironia, um outro nível de profundidade, na forma de uma provocação – amigável – à comemoração cíclica de datas memoráveis, aos clichés da divulgação científica e à apropriação dos leitmotivs do conhecimento humano pela cultura de massas; no fundo, à própria pertinência da nossa intervenção.