terça-feira, 3 de maio de 2016

Predelas e Volantes - hoje pelas 19h - Espaço Cultural das Mercês


Predelas e Volantes

3 a 7 de Maio de 2016

Espaço Cultural das Mercês (rua Cecílio de Sousa, 94, Lisboa )






sem título - um políptico (parece que a Madonna chegou atrasada), 2016; grafite sobre papel, 200 x 150 cm.
untitled - a polyptich (it seems that the Madonna arrived late), 2016; graphite on paper, 200 x 150 cm.



Predelas e volantes são designações dadas a elementos pertencentes a um políptico (um conjunto de várias pinturas articuladas, frequentemente de formatos variados, unificadas através de uma estrutura/moldura). A predela consiste numa sucessão de pequenos painéis situados num nível inferior à imagem principal, e normalmente a maior, de um retábulo; os volantes são painéis tendencialmente estreitos, muitas vezes pintados dos dois lados, que através de dobradiças se fecham sobre a imagem principal, escondendo-a, como se de portas de um armário se tratassem.
Estes retábulos, que tiveram o seu apogeu no período final do Gótico e no início do Renascimento, podem ser considerados como antepassados da banda desenhada, na medida em que consistiam em vários episódios sucessivos de uma narrativa que se pretendia evocar. O dispositivo da moldura torna-se aqui essencial: ao isolar cada painel dá-lhe destaque e individualidade, mantendo-o no entanto ligado ao conjunto. Nesta proximidade entre imagens, podemos também vislumbrar o posterior fenómeno do colecionismo em grande escala, patente tanto na acumulação humanista de um cabinet d’amateur, como na verdadeira estratificação de um qualquer Salon do século XIX. Poucos polípticos sobreviveram: na sua maioria foram desmembrados, a sua moldura unificante eliminada, e os diversos painéis dispersos por colecções e museus, tendo-se tornado hoje em dia em peças de puzzles para especialistas.
Foi esta mobilidade das imagens, tornadas objectos através da sua interacção com outras e pela sua presença física num contexto de natureza-morta, que explorei nas pinturas e desenhos que se apresentam: sendo na criação de um “políptico” onde a suposta imagem principal e unificadora está aparentemente ausente, ou na criação de molduras-labirinto que usando estruturas geométricas (embora estas grelhas estejam tão irremediavelmente longe da pureza modernista…) revelam retratos e espaços, superfícies e planos, de onde uma certa evocação dos subterfúgios do trompe l’oeil não estará também ausente.

Após a morte do pintor Pietro Rotari em 1762 a Imperatriz Catarina da Rússia adquiriu à sua viúva um conjunto de 328 pinturas que fez instalar numa sala específica do Palácio de Peterhof, de uma forma cerrada e compacta. Estes retratos, na sua maioria de belas e exóticas figuras femininas retratando todas as regiões da vasta Rússia, não tendo sido criados para este propósito, acabam por transformar-se num imenso e intrigante políptico. Na série de “retratos” aqui apresentada estas beldades encontram-se substituídas por modelos que, do brinquedo longamente manuseado à peça decorativa de fraca qualidade, não nos deixam de dar uma visão igualmente exótica, embora talvez um pouco duvidosa, da natureza humana.










A Loja de Gersaint

O mote para este ciclo de exposições é a icónica pintura L'Enseigne de Gersaint, realizada por Jean-Antoine Watteau em 1720 para a loja do marchand Edme François Gersaint. Nesta pintura a óleo de grande escala (163 x 308 cm) vemos o interior da loja de Gersaint, localizada no centro de Paris, que comercializava arte e outros produtos de luxo para a aristocracia e burguesia parisiense de meados do século XVIII. É um dos últimos quadros pintados por Watteau e retrata o interior de uma loja especializada em arte sua contemporânea.
Com o ciclo “A Loja de Watteau” pretende-se fazer uma ponte com o universo desta loja de vocação pictórica, oferecendo seis pontos de vista sobre a ideia de colecionar − da figura do colecionador e dos objetos potencialmente colecionáveis –, do acto de desejar e da ideia do valor da arte.

Apreço - com Ana Catarina Fragoso e Hetamoé

Apreço

Ana Catrina Fragoso, Hetamoé e João Francisco

10 de Dezembro de 2015 a 16 de Janeiro de 2016

Zaratan - Arte Contemporânea.



No dia 10 de Dezembro às 19 horas inaugura o segundo capítulo do CICLO COMBO com Apreço, uma exposição colectiva de Ana Catarina Fragoso, Hetamoé e João Francisco. Com curadoria da Zaratan - Arte Contemporânea, o CICLO COMBO é um lugar comum, onde dois ou mais artistas confrontam as suas práticas e geram um diálogo estreito cheio de filiações, equivalências e isomorfismos.
A palavra “apreço”, que intitula a exposição, indica um sentimento de respeito e estima, um valor afectivo que se atribui a algum objecto, mas também um derivado de “apreçar”, de indagar ou ajustar o preço de um produto. O universo semântico desta palavra encontra-se entre a qualidade ou valor emocional de algo e a sua quantificação, sendo a última essencial a qualquer transacção comercial. “Apreço” é o ponto de partida para esta exposição onde se entrelaçam três pontos de vista sobre a relação das imagens com o valor, as emoções, os desejos e as ideias que projectarmos nas coisas.
Ana Catarina Fragoso apresenta um conjunto de pinturas sobre madeira recortada que remetem para as mœdas de ouro e bronze da antiguidade clássica. Evocando o acto de comprar e coleccionar pintura através de um humor tautológico, os trabalhos dispostos circularmente não só referenciam o universo numismático como assumem (literalmente) a imagem e forma de dinheiro contemporâneo e arcaico. Este é representado em diversas escalas e indistintamente misturado, tal como as referências à história da arte.
Hetamoé apropria-se de e replica desenhos encontrados na internet para abordar o universo do hentai, termo aplicado no Ocidente à BD ou desenhos animados japoneses de natureza pornográfica. Violando o copyright e integridade física e moral de figuras comerciais pré-existentes, estas representações “sem valor” testam os limites do corpo erótico e são aqui “resgatadas” como veículo didático, debitando conceitos ligados à economia do valor e da arte inscritos nos corpos das personagens.

João Francisco apresenta uma série de pinturas de pequeno formato, representando os corpos recém-falecidos de pequenos mamíferos. Estes ratos campestres são ocasionalmente depositados durante a madrugada no tapete à porta de casa pelos seus gatos que, desta forma, lhe oferecem os seus maiores troféus. Tais recompensas não se prendem com o propósito utilitário da alimentação, mas antes com um reconhecimento ou prova de mérito, semelhante aos troféus de caça ou de guerra.





Ana Catarina Fragoso - Soldos ou a colecção de moedas #2, 2015.





Hetamoé - Série-H (Edição K-on!), 2015. 





sem título - um presente do Kyoto
, 2011; óleo sobre madeira, 12 x 23,8 cm; sem título - dois ratos mortos, 2012; óleo sobre tela, 24,2 x 30 cm.
untitled - a gift from Kyoto, 2011; oil on panel, 12 x 23,8 cm; untitled - two dead mice, 2012; oil on canvas, 24,2 x 30 cm.



On December 10 at 7pm hours, Zaratan – Arte Contemporânea presents the second chapter of the CICLO COMBO with Apreço, a group exhibition by Ana Catarina Fragoso, Hetamoé and João Francisco. Curated by Zaratan – Arte Contemporânea, COMBO is the affirmation of a common space, where two or more artists confront their practices and create a close dialogue full of affiliations, equivalences and isomorphisms.
The Portuguese word "apreço" (“appreciation”), which titles the exhibition, indicates a sense of respect and esteem, an affective value attributed to an object, but also a derivative of "pricing", i.e. to inquire or adjust the price of a product. The semantic universe of this word stands between the quality or emotional value of something and its quantification, the latter being essential to any commercial transaction. "Appreciation" is the starting point for this exhibition, which presents three points of view on the relationship between images and their value, emotions, desires and ideas we project onto things.
Ana Catarina Fragoso presents a set of paintings on shaped wood depicting gold and bronze coins from classical antiquity. Evoking the act of buying and collecting paintings through a tautological humor, these circularly arranged works not only reference the numismatic universe but also (literally) assume the image and form of contemporary and archaic money. These currencies are represented in different scales and indistinctly mixed, as are the work’s references to art history.
Hetamoé appropriates and replicates pictures found on the internet to address the universe of hentai, a term used in the West for Japanese comics and cartoons of pornographic nature. Violating both the copyright and the physical and moral integrity of pre-existing commercial figures, these "worthless" representations test the limits of the erotic body and are here "redeemed" as a teaching vehicle, communicating concepts related to the economy of value and art inscribed in the characters’ bodies.
João Francisco presents a series of small format paintings, representing the freshly dead bodies of small mammals. These country rats are occasionally deposited overnight on the door mat by his house cats, who by doing so offer him their biggest trophies. Such rewards are not linked to the utilitarian purpose of eating, but rather to an acknowledgment or proof of merit, similar that of hunting or war trophies.






sem título - dois ratos mortos, 2014; óleo sobre madeira, 18,3 x 25,7 cm.
untitled - two dead mice, 2014; oil on panel, 18,3 x 25,7 cm. 





sem título - um presente do Kyoto, 2011; óleo sobre madeira, 12 x 23,8 cm.untitled - a gift from Kyoto, 2011; oil on panel, 12 x 23,8 cm.





sem título - dois ratos mortos, num prato, 2014; óleo sobre papel colado em madeira, 20 x 15 cm.
untitled - two dead mice, on a plate, 2014; oil on paper glued on wood, 20 x 15 cm. 


segunda-feira, 2 de maio de 2016

Héstia - outro jardim para Emily Dickinson


Héstia



sem título - outro jardim para Emily Dickinson, 2015; 32 pinturas a guache sobre papel, 30.5 x 40,6 cm.
untitled - another garden for Emily Dickinson, 2015; 32 paintings in gouache on paper, 30,5 x 40,6 cm 





sem título - uma fogueira, 2015; grafite sobre papel, 112 x 151 cm.
untitled - bonfire, 2015; graphite on paper, 112 x 151 cm. 



Héstia - Domingos Rego



Domingos Rego 




Domingos Rego 




Domingos Rego 

Héstia




A figura de Héstia, percorrendo um longo caminho de vários séculos, parece ressurgir na poetisa norte-americana Emily Dickinson que, à sua imagem, abdicou de uma vida possivelmente mais agitada ou, diriam muitos, mais rica e interessante, para se dedicar à casa, à família, à sua vida interior. Dickinson, num progressivo isolamento, nos seus últimos anos de vida limitou cada vez mais o seu contacto físico com pessoas, falando com elas através de uma porta fechada, recusando-se a sair de casa ou mesmo do quarto. As suas comunicações eram feitas essencialmente através de cartas (e aqui seria divertido identificar também a presença de Hermes).
Dickinson interessava-se pela natureza, pelas flores que cultivava no seu jardim, e era conhecida pela população local mais como jardineira que como poetisa. Estudou também botânica, e existe um herbário que fez ao longo da vida com mais de 400 exemplos de plantas classificadas segundo o sistema de Linnaeus. As flores colhidas no jardim, muitas vezes acompanhadas de pequenas notas ou poemas, eram também frequentemente enviadas a correspondentes no mundo exterior.
O jardim não sobreviveu ao passar dos anos, e apenas permanece nas entusiasmadas recordações de amigos e família. As plantas, com as suas variadas e distantes proveniências, eram certamente uma forma de viajar, ainda que através da imaginação, como a própria referiu: “posso habitar as “ilhas das especiarias” (Molucas) meramente atravessando a sala de jantar até à estufa, onde as plantas estão penduradas em cestos”. Alusões a flores e jardins são muito frequentes nos poemas de Emily Dickinson, servindo muitas vezes de substitutos para acções e emoções.
Continuando a pesquisa desenvolvida nos últimos anos em torno do tema da natureza-morta, procurando ampliar os seus limites, a intervenção para a exposição Héstia na Plataforma Revólver consistirá na “construção” de um jardim. Se pensarmos num jardim enquanto uma colecção de plantas, não serão os objectos que construímos e decoramos com referências ao mundo botânico também eles membros de um jardim, ainda que de uma forma metafórica? Será então um jardim de substituição, afastado do mundo exterior, mas ainda assim proveniente dele. Se quisermos, um jardim adaptado à escala e à vivência de uma casa, à medida da imaginação.
Outro dos atributos de Héstia era o fogo, a lareira que ardia no interior do lar de qualquer grego. Nos seus templos uma fogueira era também eternamente alimentada. Fazendo minhas as palavras de Emily Dickinson:


You cannot put a fire out;
A thing that can ignite
Can go, itself, without a fan
Upon the slowest night

Héstia

Héstia

Domingos Rego e João Francisco

Plataforma Revólver

18 de Setembro a 7 de Novembro de 2015.