sábado, 13 de outubro de 2012
Uma montanha de coisas - A mountain of things
E eu lamentava um pouco todos aqueles comensais, porque sentia que para eles as mesas redondas não eram planetas e não haviam praticado nas coisas o corte que nos desembaraça da sua aparência habitual e nos permite apreender analogias.
Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, volume II - à sombra das raparigas em flor
Enquanto género pictórico, a natureza morta tem sido um veículo de experimentação bem como um tema central na obra de inúmeros artistas. Com profundas implicações históricas foi contudo, durante muito tempo, um tema relegado para segundo plano em relação a temas como o retrato ou a representação de cenas históricas.
A obra de João Francisco está profundamente enraizada nesta temática. Trabalhando com acesso a modelos reais e não a partir de fotografias, não está contudo interessado em desenvolver um ponto de vista foto-realista sobre os elementos que representa nem é a perfeição dessa reprodução que o absorve. Trata-se de uma pintura feita de infinitas conexões, em que a presença física dos objectos, o seu peso, a sua matéria, rege o foco do artista para quem qté um retrato pode ser uma natureza morta.
É assim que em Uma montanha de coisas, as obras não ilustram todas a mesma tese, a mesma ideia. Partindo dessa base comum da natureza morta, as obras apontam cada uma para o seu próprio sentido, para a sua evocação específica (seja este sentido uma brincadeira sobre a pintura abstracta, sobre a "morte da pintura" ou sobre jogos formais de espelho e repetição). Revestida de uma representação quase mística na intrepertação comum, a pintura abstracta é abordada numa das obras como uma manta de retalhos, ou seja, um elemento pertencente ao quotidiano, As grelhas, elemento chave do modernismo, representações puras, limpas, conceptuais e cerebrais, aparecem aqui deformadas ou tortas, de aspecto tosco. A incorporação de imagens de revistas ou de obras de outros artistas - como quadros dentro de um quadro - aparecem como referências ao invés de citações eruditas, porque surgem em pé de igualdade com todos os outros objectos representados.
Nada nestas pinturas, como poderia ser esperado de uma natureza morta, foi colocado em relevo. Pelo contrário, todas elas procuram acentuar aspectos da banalidade, motivo pela qual muitas vezes as composições extravasam os limites do quadro, como que anunciando serem apenas fragmentos de algo muito mais vasto. Da mesma maneira, toda a superfície da pintura é trabalhada: o suporte é completamente preenchido, tornando-se assim real, isto é, ligado à terra e à natureza.
Trata-se de uma banalidade que o artista procura inclusive na sua forma de representar: não há qualquer virtuosismo nem nos desenhos nem na pintura, tudo é trabalhado da mesma forma. Da presença real até uma forma compactada, tudo no trabalho de João Francisco é um comentário irónico.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Uma montanha de coisas - A mountain of things
Galeria 111, Lisboa.
15 September to 3 November.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
Arca de Noé - Noah's Ark
Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio Anjos, Algés.
14 de Outubro de 2011 a 12 de Fevereiro de 2012.
Exposição colectiva com:
Eduardo Viana, António Dacosta, Júlio Resende, Corneille, Menez, Júlio Pomar, Lourdes Castro, Bartolomeu Cid dos Santos, António Quadros, António Areal, António Segui, Paula Rego, José de Guimarães, Espiga Pinto, Fernando Direito, David de Almeida, Carlos Carreiro, Graça Morais, Urbano, Alex Flemming, Fátima Mendonça, Miguel Telles da Gama, Joana Salvador, Joana Vasconcelos, João Pedro Vale, Pedro Gomes, Martinho Costa, Diogo Evangelista, Gabriel Abrantes.
Arte Lisboa 2010 - Contemporary Art Fair
Galeria 111
November 24 to 28, 2010.
domingo, 2 de setembro de 2012
Século XXI - Anos 10
Centro de Arte Manuel de Brito - Palacio Anjos, Algés.
2 de Outubro 2010 a 27 de Fevereiro de 2011.
Exposição Colectiva com:
Júlio Pomar, Paula Rego, Eduardo Batarda, Julião Sarmento, Graça Morais, Pedro Calapez, Rui Sanches, Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Urbano, Ana Vidigal, Fátima Mendonça, Miguel Telles da Gama, Rui Carvalho, Alexandra Mesquita, Rui Chafes, Rigo 23, Joana Vasconcelos, Joana Salvador, João Leonardo, Francisco Vidal, Pedro Casqueiro, Rui Serra, Pedro Gomes, Isabelle Faria, Ricardo Angélico, Jorge Santos, Manuel Caeiro, Vasco Araújo, João Pedro Vale, Samuel Rama, Martinho Costa, Sofia Leitão, Gabriel Abrantes, Diogo Evangelista, Rui Pedro Jorge.
Sala do Veado - Cabinet d'Amateur - 1990-2010
Museu Nacional de História Natural, Sala do Veado
Julho / Outubro 2010.
"um tapete voador, uma casa..."
"o arquivista / the archivist" - revista Visão
Num jogo melancólico, João Francisco (1984) arquiva quotidianos em pinturas e desenhos. A elaboração desse processo organizativo é feita através de esculturas temporárias que monta no atelier. Gosta da liberdade de poder "construir o que quiser, ir buscar pequenos actores para construir o que quiser", para arquivar memórias de objectos que perdem o seu valor e passam a ser desrespeitados, na voragem consumista do quotidiano: "raramente pinto coisas reais", esclarece. Essa nostalgia atenua-se, quando o artista volta a guardar os objectos, depois de utilizados na escultura documentada em papel ou tela. São esculturas construídas com materiais que apanha no chão, que estão arquivados em caixas e caixotes no atelier, ou que pede emprestados se for caso disso. Na segunda individual, João Francisco apresenta mais de duas dezenas de trabalhos, incluindo a série O naturalista, que integrou uma colectiva na Sala do Veado, do Museu de História Natural. O conjunto destes catorze guaches é um catálogo de espécies - nem todas reais - feito através "dos substitutos burgueses domésticos com que lidamos em casa", ou seja, as suas representações em plástico e outros materiais sintéticos.
um comentário - a comment - Alexandre Pomar
http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2010/02/coisas-de-hoje.html
"um tapete voador, uma casa..." - Celso Martins, Expresso
Celso Martins (actual - Expresso, 16 de Janeiro de 2010
um tapete voador, uma casa, uma pirâmide, um jardim japonês, uma colecção de grelhas e uma pedreira (e mais algumas coisas)
Galeria 111, Lisboa.
7 January to 20 February 2010.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
um jardim, um tapete voador (...) - a garden, a flying carpet (...) (3)
um jardim, um tapete voador (...) - a garden, a flying carpet (...) - folha de imprensa - press release
O novo trabalho que João Francisco apresenta na Galeria 111 - Porto, entre os dias 7 de Novembro de 2009 e 9 de Janeiro de 2010, apropria-se do tema histórico da natureza-morta, recorrendo a referências pictóricas, como Giorgio Morandi, Philip Guston e Giorgio de Chirico, para reinventar o modo de análise dos objectos que povoam o quotidiano.
Através da construção de cenários aparentemente caóticos, os objectos escolhidos, e diversas vezes repetidos, são meticulosamente organizados. O desenho começa aqui, existindo em cada momento da criação um total controlo do artista. A representação pictórica que se segue implica uma dupla questão. Por um lado trata-se de uma reprodução dos objectos reais e, por outro lado, o seu conjunto e a sua relação pressupõe uma representação de algo que não cabe no atelier: cidades, museus, espaços exteriores, ideias e conceitos. Esta falsa representação não se relaciona com uma determinada narrativa ou uma idealização do tema representado, mas com o congelar de um tempo intermitente, como forma de evocação de algo que está sempre em mutação.
Historicamente, a natureza-morta caracteriza-se por congelar e, até, documentar o melhor momento de nobres objectos para a eternidade. O trabalho de João Francisco questiona veementemente esta disciplina na representação inconstante e impermeável de simples objectos, em que a sua documentação e análise torna-se um processo sempre difícil e falível.
um jardim, um tapete voador, um diorama, algumas paisagens e outras construções - a garden, a flying carpet, a diorama, a few landscapes
Galeria 111, Porto.
7 November 2009 to 9 January 2010.