segunda-feira, 23 de novembro de 2009

"colecção privada" - Luisa Soares de Oliveira in Público

sem título - destroços - 2008 - grafite sobre papel, 100 x 140 cm
untitled - flotsam - 2008 - graphite on paper, 100 x 140 cm
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Colecção privada - João Francisco indaga a origem das imagens na sua primeira individual.
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A Galeria 111 tem-nos habituado à apresentação periódica de primeiras exposições individuais de jovens artistas, numa atitude arrojada que partilha com muito poucas galerias portuguesas. Desta vez trata-se de João Francisco, diplomado há pouco pela FBAUL, que aqui apresenta uma série de trabalhos que impressiona pela quantidade e pela qualidade. Globalmente, dividem-se em dois grupos, separados pela existência ou não de cor. Mas todos eles tratam da mesma temática: a origem das imagens que povoam a mente do artista, o seu processo de selecção e de reconstrução antes e durante o fazer da obra de arte.
João Francisco cria encenações de objectos e formas. Cubos, brinquedos, postais, fotografias, coisas encontradas aqui e ali criam aquilo que supomos (e que o artista confirma) ser um cenário de atelier que funciona como o lugar secreto de cada um, o refúgio onde é possível dar livre curso à imaginação e à efabulação. A técnica, extremamente precisa, dá uma poderosa ajuda a esta leitura. Mas o artista nunca se permite ultrapassar esse primeiro estádio da apresentação das imagens. Combina e recombina formas e cores (ou apenas formas, nas peças a preto e branco), e deixa para o espectador a tarefa de inventar, ou projectar a sua própria história nas formas que vê.
Assim, trata-se aqui de uma apresentação de imagens que remete para a sua origem, mais do que para a sua finalidade. Um auto-retrato de Gauguin, que surge recorrentemente em diversas obras, avisa-nos desse facto. Como acontecia para o pintor francês, o processo era tanto ou mais importante do que o resultado; e havia uma diluição da imagem na cor que criava uma distância inultrapassável entre narrativa e pintura.
De facto, também aqui notamos esta distância. Tudo é representado minuciosamente; mas, ao mesmo tempo, tudo possui uma qualidade abstracta que nos deixa na dúvida sobre se o que realmente vemos é mesmo aquilo que o artista quer que vejamos… João Francisco possui esta habilidade de provocar a interrogação, suscitar a dúvida, captar o espectador na malha sedutora do que vê para nunca o satisfazer totalmente na sua curiosidade. Este é sem dúvida um trabalho a seguir com atenção. O tempo dirá o que este artista nos reserva, e se conseguirá manter a qualidade de trabalho que aqui revela.


Luísa Soares de Oliveira (Ípsilon – Público, 23 de Maio de 2008, pág. 58)

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