sem título - o pequeno cemitério, 2012; óleo sobre tela, 120 x 160 cm.
untitled - the small graveyard, 2012; oil on canvas, 120 x 160 cm.
A escada de Jacob está gasta, tem degraus partidos, mal remendados, e encosta-se a um muro de madeira, suporte de várias coisas, entre as quais uma tela do avesso; lá em baixo estão os anjos de Paul Klee, por ventura aqueles mesmos que, em incessante vaivém, desgastaram e quebraram a escada. Com estas palavras tento descrever um desenho, poderia ser uma pintura, dos mais sóbrios, dos mais simples, com menos coisas acumuladas de João Francisco (n.1984), obra de uma exposição muito justamente intitulada "Uma montanha de coisas". Este artista é um respigador de coisas, vestígios, restos, tralha kitsch da feira da Ladra, salvados de praia, e também de memórias visuais, ou de citações, conforme os casos, da arte ocidental e portuguesa. Uma outra escada bem semelhante à primeira, só que deitada, funciona intencionalmente como uma predela enquadrando obras: Eloy, Pinturicchio, Klee, do Velho Picasso bem como o papagaio de Flaubert (?), enquanto a parte superior do desenho está repleta de restos e de fragmentos de grelhas e caixas. A referência ao tempo e ao seu trabalho sobre a montanha das coisas, e sobre essas coisas especiais (?) que são as obras de arte, é permanente, transitando de trabalho para trabalho com uma ironia séria. Além dos mestres rememorados a arte pode ser uma manta de retalhos justamente interpretada como uma pintura não figurativa e o quadro, ou melhor, enquanto a tela do avesso é uma coisa entre as coisas e , se lermos bem os não títulos deste artista, sempre disfarçados entre parênteses curvos, essa tela funciona como uma lápide num cemitério de abandonos que tanto pode abrir-se para um somatório de inutilidades, como para o que resta do nosso museu imaginário.
José Luis Porfírio (Atual - Expresso, 22 de Setembro de 2012).
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