Predelas e Volantes
3 a 7 de Maio de 2016
Espaço Cultural das Mercês (rua Cecílio de Sousa, 94, Lisboa )
Predelas e
volantes são designações dadas a elementos pertencentes a um políptico (um
conjunto de várias pinturas articuladas, frequentemente de formatos variados,
unificadas através de uma estrutura/moldura). A predela consiste numa sucessão
de pequenos painéis situados num nível inferior à imagem principal, e
normalmente a maior, de um retábulo; os volantes são painéis tendencialmente
estreitos, muitas vezes pintados dos dois lados, que através de dobradiças se
fecham sobre a imagem principal, escondendo-a, como se de portas de um armário
se tratassem.
Estes retábulos,
que tiveram o seu apogeu no período final do Gótico e no início do
Renascimento, podem ser considerados como antepassados da banda desenhada, na
medida em que consistiam em vários episódios sucessivos de uma narrativa que se
pretendia evocar. O dispositivo da moldura torna-se aqui essencial: ao isolar
cada painel dá-lhe destaque e individualidade, mantendo-o no entanto ligado ao
conjunto. Nesta proximidade entre imagens, podemos também vislumbrar o
posterior fenómeno do colecionismo em grande escala, patente tanto na
acumulação humanista de um cabinet
d’amateur, como na verdadeira estratificação de um qualquer Salon do século XIX. Poucos polípticos
sobreviveram: na sua maioria foram desmembrados, a sua moldura unificante
eliminada, e os diversos painéis dispersos por colecções e museus, tendo-se tornado
hoje em dia em peças de puzzles para especialistas.
Foi esta
mobilidade das imagens, tornadas objectos através da sua interacção com outras
e pela sua presença física num contexto de natureza-morta, que explorei nas
pinturas e desenhos que se apresentam: sendo na criação de um “políptico” onde
a suposta imagem principal e unificadora está aparentemente ausente, ou na
criação de molduras-labirinto que usando estruturas geométricas (embora estas
grelhas estejam tão irremediavelmente longe da pureza modernista…) revelam
retratos e espaços, superfícies e planos, de onde uma certa evocação dos
subterfúgios do trompe l’oeil não
estará também ausente.
Após a morte do
pintor Pietro Rotari em 1762 a Imperatriz Catarina da Rússia adquiriu à sua
viúva um conjunto de 328 pinturas que fez instalar numa sala específica do
Palácio de Peterhof, de uma forma cerrada e compacta. Estes retratos, na sua
maioria de belas e exóticas figuras femininas retratando todas as regiões da vasta
Rússia, não tendo sido criados para este propósito, acabam por transformar-se
num imenso e intrigante políptico. Na série de “retratos” aqui apresentada
estas beldades encontram-se substituídas por modelos que, do brinquedo longamente
manuseado à peça decorativa de fraca qualidade, não nos deixam de dar uma visão
igualmente exótica, embora talvez um pouco duvidosa, da natureza humana.
A
Loja de Gersaint
O mote para este ciclo de exposições é a icónica pintura
L'Enseigne de Gersaint, realizada por Jean-Antoine Watteau em 1720 para a loja
do marchand Edme François Gersaint. Nesta pintura a óleo de grande escala (163
x 308 cm) vemos o interior da loja de Gersaint, localizada no centro de Paris,
que comercializava arte e outros produtos de luxo para a aristocracia e
burguesia parisiense de meados do século XVIII. É um dos últimos quadros
pintados por Watteau e retrata o interior de uma loja especializada em arte sua
contemporânea.
Com o ciclo “A Loja de Watteau” pretende-se fazer uma ponte
com o universo desta loja de vocação pictórica, oferecendo seis pontos de vista
sobre a ideia de colecionar − da figura do colecionador e dos objetos
potencialmente colecionáveis –, do acto de desejar e da ideia do valor da arte.
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