A figura de Héstia, percorrendo
um longo caminho de vários séculos, parece ressurgir na poetisa norte-americana
Emily Dickinson que, à sua imagem, abdicou de uma vida possivelmente mais
agitada ou, diriam muitos, mais rica e interessante, para se dedicar à casa, à
família, à sua vida interior. Dickinson, num progressivo isolamento, nos seus
últimos anos de vida limitou cada vez mais o seu contacto físico com pessoas,
falando com elas através de uma porta fechada, recusando-se a sair de casa ou
mesmo do quarto. As suas comunicações eram feitas essencialmente através de
cartas (e aqui seria divertido identificar também a presença de Hermes).
Dickinson interessava-se pela
natureza, pelas flores que cultivava no seu jardim, e era conhecida pela
população local mais como jardineira que como poetisa. Estudou também botânica,
e existe um herbário que fez ao longo da vida com mais de 400 exemplos de
plantas classificadas segundo o sistema de Linnaeus. As flores colhidas no
jardim, muitas vezes acompanhadas de pequenas notas ou poemas, eram também
frequentemente enviadas a correspondentes no mundo exterior.
O jardim não sobreviveu ao passar
dos anos, e apenas permanece nas entusiasmadas recordações de amigos e família.
As plantas, com as suas variadas e distantes proveniências, eram certamente uma
forma de viajar, ainda que através da imaginação, como a própria referiu:
“posso habitar as “ilhas das especiarias” (Molucas) meramente atravessando a
sala de jantar até à estufa, onde as plantas estão penduradas em cestos”.
Alusões a flores e jardins são muito frequentes nos poemas de Emily Dickinson,
servindo muitas vezes de substitutos para acções e emoções.
Continuando a pesquisa
desenvolvida nos últimos anos em torno do tema da natureza-morta, procurando
ampliar os seus limites, a intervenção para a exposição Héstia na Plataforma
Revólver consistirá na “construção” de um jardim. Se pensarmos num jardim
enquanto uma colecção de plantas, não serão os objectos que construímos e
decoramos com referências ao mundo botânico também eles membros de um jardim,
ainda que de uma forma metafórica? Será então um jardim de substituição,
afastado do mundo exterior, mas ainda assim proveniente dele. Se quisermos, um
jardim adaptado à escala e à vivência de uma casa, à medida da imaginação.
Outro dos atributos de Héstia era o fogo, a lareira que
ardia no interior do lar de qualquer grego. Nos seus templos uma fogueira era
também eternamente alimentada. Fazendo minhas as palavras de Emily Dickinson:
You cannot
put a fire out;
A thing
that can ignite
Can go,
itself, without a fan
Upon the
slowest night
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